Ultimamente tem sido avançada pelos jornais a possibilidade da diminuição dos salários, e essa notícia tem sido mal interpretada por leitores e jornalistas.
Tentarei desmistificar alguns mitos e medos, e explicar aqui que se passa, da forma mais simples que conseguir.
O Prof. Dr. Paul Krugman avançou com a necessidade dos países periféricos terem de baixar os salários em relação aos salários alemães.
Notícias: http://economico.sapo.pt/noticias/krugman-salarios-em-portugal-tem-de-cair-ate-30_89918.html
Original: http://krugman.blogs.nytimes.com/2010/05/17/et-tu-wolfgang/ [Inglês]
O problema:
Nos últimos anos os custos de produção subiram mais rápido do que a produtividade.
Em contexto:
Imaginemos uma comum fábrica de sapatos. Aqui o custo de produzir os sapatos está algo como 20% a 30% acima da média na Alemanha. Apesar de os salários aqui serem mais baixos que na Alemanha, as máquinas, formação das pessoas, infraestruturas [estradas, caminhos de ferro, portos], impostos, entre outros, compensam a diferença salarial, tornando mais barato produzir na Alemanha que aqui.
Solução:
A solução mais rápida e eficaz é desvalorizar a moeda, assim o escudo se desvalorizaria 20% a 30% e a competitividade estava recuperada. No entanto já não temos o escudo, então vamos para a 2º melhor... Os salários.
Considera-se uma alteração nos salários como 2º melhor medida porque é a mais rápida, no entanto para que seja eficaz será preciso fazer alterações mais profundas, como melhorar as infraestruturas do país, apoiar as empresas no investimento e formação de pessoal, reformar o sistema jurídico, etc...
Implementação:
A melhor forma de implementar esta medida é de uma forma gradual, isto é, nos próximos anos o nosso Salário Real crescerá mais devagar que na Alemanha.
Exemplo:
Trabalhador Português e Alemão ganham 500€ e 1500€ respectivamente, e ambos os países têm uma inflação de 3%.
Se o nosso salário aumentar 1% por ano e o salário Alemão aumentar 4% por ano em pouco mais de 7 anos voltaríamos ao equilibro competitivo, o trabalhador português ganhará cerca de 536€ e o Alemão cerca de 1.900€.
Se nada fizermos:
A verdade é que não se sabe com certeza, mas os modelos económicos e situação semelhante com outros países mostram que se não voltarmos a ser competitivos desemprego elevado, falta de liquidez e dificuldade de acesso ao crédito serão o grande problema da próxima geração.
Por outras palavras:
Neste momento estamos a ganhar mais que aqui que a economia permite. É verdade que ganhamos pouco, mas a economia produz ainda menos.
Não é preciso uma licenciatura para saber que a única forma de gastar mais que aquilo que se ganha é pedir dinheiro emprestado [ou gastar as poupanças]. Isso funciona enquanto conseguir crédito, quando acaba é que começam os problemas.
Como chegamos aqui:
Esta é fácil, nos últimos anos os nossos salários aumentaram demasiado, agora têm de corrigir.
Porque aumentaram tanto? Ao contrário do que muitos acham, normalmente os políticos são bem intencionados e como tal tentaram melhorar a nossa qualidade de vida através dos salários, mas infelizmente isso só funciona para o curto termo, no longo termo é uma bomba para rebentar.
Mitos
Os salários vão baixar.
Os salários continuarão a aumentar, mas será a um nível mais baixo que a inflação.
Porque não aumentar os salários?
Ao contrário do que parece aumentar os salários não ajudará a economia. A lógica "aumenta-se os salários => maior poder de compra => mais vendas => mais dinheiro => melhor economia" esquece alguns factores importantes:A industria tem de crescer antes da procura interna, isto é, se a procura aumenta 20% em 1 ano, a oferta não consegue acompanhar porque aumentar a produção requer investimentos que demoram tempo [construir fábricas, formar pessoal, desenvolver tecnologia, etc. demora tempo]
Ex. O dono do café de repente vê seus clientes aumentarem em 30%, o café fica a transbordar. Ele não conseguirá abrir um segundo café [tão cedo] para dar conta do recado, a solução será aumentar os preços.
Importação, de forma simples, se temos mais dinheiro compramos mais produtos importados, esse dinheiro vai para fora e o seu efeito na nossa economia é residual.
Ex. Na compra de um telemóvel, 20% fica na loja de uma marca estrangeira, 20% para o estado, 15% para o distribuidor nacional o resto ao fabricante estrangeiro. Cerca de 50% do custo do telemóvel foi para fora. [5% da loja estrangeira e o resto do fabricante]
Tendência para gastar, nem todo o dinheiro ganho é consumido, logo o seu efeito é reduzido.
Ex. Se temos a tendência de consumir 70% dos nossos salários, se os ordenados aumentarem 100 milhões a economia só receberá 70 milhões [O modelo económico é mais complexo, mas o essencial está aqui]
O salário mínimo irá diminuir
O que tem de diminuir é o salário médio, ou seja, o salário de todos... É possível diminuir o salário médio sem diminuir o salário mínimo.
Corta-se os salários dos gestores
Apesar de parecer haver alguma medida de justiça social aqui, a prática não funciona tão bem. Os salários também dependem do poder de alavancagem, isto é, quem precisa mais de quem.
Ex. corta-se em 50% o salário de um gestor de topo de uma empresa [publica ou privada], ele terá muito mais facilidade em encontrar um outro emprego em que receba o mesmo ordenado antigo, que um trabalhador que ganhe 500€.
Ainda assim, em termos de proporção, mesmo que fosse cortado para 500€ o salário de todos os gestores portugueses, ainda não seria suficiente. Simplesmente não temos assim tantos gestores a ganhar salários exorbitantes quanto seria de esperar...
Só irá piorar a situação
O raciocínio em que, diminuindo-se os salários, diminui-se a capacidade de pagar os créditos, a procura interna, etc. é verdade. Mas se esquece da proporção e dos efeitos benéficos da diminuição dos salários [sim, existem para os trabalhadores].
De uma forma simples, com os salários mais baixos, o desemprego deverá diminuir mais rapidamente, [emprego precário, verdade, mas economicamente é preferível um trabalhador precário a um desempregado]. Também é preciso ter em conta que da mesma forma que muitos trabalhadores entrarão em incumprimento, muitas empresas e trabalhadores recentemente contratados conseguirão evitar o incumprimento graças a medida.
Entraves:
Nem tudo é tão simples como seria de esperar. No exemplo acima, a inflação era de 3%, a verdade é que já não vemos na zona euro uma inflação de 3% há muito tempo... A previsão é de uma inflação muito abaixo dos 3% nos próximos anos, e no nosso exemplo já demoramos mais de 7 anos para entrar em equilíbrio novamente.
Também os trabalhadores alemães já não vêm um aumento real dos salários há muito tempo.
Resumindo:
Ao contrário do que parece a escolha não é entre diminuir os salários ou não diminuir. A escolha é sim, entre diminuir os salários agora ou mais tarde. Se o fizermos agora, então fizemos por escolha, se fizermos mais tarde, é porque não tivemos alternativa. E como bola de neve, os efeitos serão muito piores para a próxima geração do que aquele que nós iremos sofrer.
Eu não estou a tentar defender uma visão política ou um interesse qualquer, estou apenas a tentar explicar aquilo que está a acontecer da forma mais simples e objectiva que consegui.
Retirado daqui.
sábado, 22 de maio de 2010
Bom resumo da questão dos salários
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