quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Rede global de (des)informação

Várias foram já as ocasiões em que me deparei com o texto que abaixo transcrevo. Basta fazermos uma pesquisa na net com o último verso e logo aparece um vasto rol de blogs, chats, perfis do hi5, etc, pejados com o dito!

Várias foram também as ocasiões em que me enviaram este texto, há que realçar que com a melhor das intenções, em jeito de lição de vida! E não menos foram as ocasiões em que me insurgi contra ele por me soar ignóbil a tentativa de o atribuir a Fernando Pessoa.

"Posso ter defeitos, viver ansioso
e ficar irritado algumas vezes mas
não esqueço de que minha vida é a
maior empresa do mundo, e posso
evitar que ela vá à falência.
Ser feliz é reconhecer que vale
a pena viver apesar de todos os
desafios, incompreensões e períodos
de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos
problemas e se tornar um autor
da própria história. É atravessar
desertos fora de si, mas ser capaz de
encontrar um oásis no recôndito da
sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã
pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios
sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um “não”.
É ter segurança para receber uma
crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir
um castelo…”

Na verdade não é preciso ser um erudito ou afincado estudioso da obra deste autor para logo percebermos que nunca Pessoa poderia ter escrito tal coisa! Aliás, basta conhecer os poemas de Pessoa de leitura obrigatória no programa de Português B do nosso Ensino Secundário, para perceber que algo não está certo com este texto e ou o Fernandinho estava tomado por um acesso de loucura momentâneo ou se trata de uma fraude!

Ora há uns dias uma amiga trouxe de novo à baila o dito texto e acabei numa teimosa discussão contra o argumento "Não acredito que este texto, que consta em tantos sites da internet, não seja de Fernando Pessoa como é dito!"

Mas lamentavelmente não é, conforme justificação prestada por Francisco José Viegas, director da Casa Fernando Pessoa, em resposta a esta solicitação do Público:

O poema em questão não é de Fernando Pessoa, coisa que poderia ser garantida à primeira leitura (pelo tema, pela escrita, pela ortografia). No Brasil, tanto na web como em papel impresso, circulam vários «poemas apócrifos» assinados por Fernando Pessoa; muitas vezes, os seus autores pretendem garantir algum reconhecimento anónimo através da utilização do nome do poeta – são, geralmente, textos de má qualidade e que, infelizmente, se multiplicam todos os dias. Qualquer «leitor mediano» da obra de Pessoa ou dos seus heterónimos se dá conta da mistificação e da falsificação. Fernando Pessoa não diz semelhantes patetices
E eis que consigo finalmente esclarecer isto!

Confesso que desconhecia o conceito de "poema apócrifo" e confesso que também não entendo o que move esta tentativa de reconhecimento anónimo mas o que realmente me incomoda é pensar na forma como a internet possibilita uma tão vasta propagação de erros desta natureza. E incomodam-me também os falsos e pretensiosos eruditos que assim florescem neste campo fértil de ignorância!

Por outro lado, tenho que reconhecer que foi a internet que me proporcionou um meio rápido e acessível de obter este esclarecimento! Enfim, tal como em tudo, também nesta rede global de informação é essencial saber separar o trigo do joio!

Por mim, deixo este meu modesto contributo e, em nome de Fernando Pessoa, termino este post com um belo poema, este sim, de sua autoria:

"A Criança que fui chora na estrada,
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim."

Sem comentários: