terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Como apagar um fogo com gasolina...

Achei que vale a pena colocar sob a forma de post autónomo a minha resposta a uma questão do César David Sousa:

O FED está aplicar a receita de 2000, quanto estoirou a bolha das dot.com, reduzindo as taxas de juro para níveis baixíssimos durante demasiado tempo. O resultado foi um novo motor para estimular a economia (consumo), via acesso fácil a crédito barato, e uma nova bolha, desta vez na habitação. Os bancos acabaram a conceder crédito a quem efectivamente não podia pagar (os chamados NINJAS = no income no job no assets) que davam como colateral apenas o valor das habitações (crédito subprime). A coisa correu bem enquanto o valor das casas foi aumentando anualmente a uma taxa absurdamente alta e especulativa, incentivando a titularização destes créditos. O problema surgiu quando o FED recomeçou a subir gradualmente as taxas de juro, o que aumentou de forma exponencial os níveis de crédito mal parado, aumentando o número de despejos e diminuindo o valor das casas (com mais casas disponíveis no mercado, o seu valor especulativo diminuiu abruptamente). Este bolha, bem como as suas ramificações cujos impactes se estão a fazer sentir na restante economia mundial, foi identificada em tempo útil, como se pode ver aqui, aqui e aqui.

Baixar as taxas de juro novamente será bom a curto prazo, mas é como apagar um incêndio com gasolina. Os níveis de endividamento vão continuar a crescer, e a bolha irá rebentar lá mais para a frente, só que com maior impacte. Por outro lado, a baixa das taxas de juro (bom como o pacote fiscal do presidente Bush) significam implicitamente que o Governo Americano e o FED optaram por fazer com que TODOS os americanos paguem a crise, via um imposto escondido chamado inflação.

Por outro lado, está-se também a penalizar efectivamente quem adquiriu casa de acordo com as suas possibilidades e não se endividou em excesso, e a premiar quem adquiriu habitações que não tinha condições de pagar (bem como as instituições financeiras que estimularam este comportamento, algumas das quais já teriam falido em situação normal). É um facto moralmente condenável, e também transmite outro sinal aos agentes económicos: os bancos poderão fazer os disparates que quiserem (criando instrumentos derivados cada vez mais complexos e opacos a regulação), pois terão a "mão amiga" do FED para os salvar de situações de falência potencial. Mais valia alguns bancos falirem e os restantes aprenderem a lição. Assim, adia-se o problema para uma próxima crise que irá ser de maior intensidade.

A boa notícia (?) é que provavelmente 1929 não se irá repetir, devido a dois factores:

1) O FED e restantes Bancos Centrais (como o de Inglaterra que injectou milhões de £ no Northern Rock, mesmo sabendo que não existem garantias de crédito no banco) não deixarão falir milhares de bancos como em 1929-32, optando-se por nacionalizá-los e transferir a dívida para os restantes contribuintes;

2) Actualmente, o dinheiro em circulação já não está restringido ao padrão ouro, o que faz com que seja possível aos Bancos Centrais imprimir dinheiro de uma forma praticamente infinita, o que fará com que o impacte seja sentido, mas de forma talvez mais atenuada.

2 comentários:

César disse...

Pedro, nem de propósito (ou melhor, bem de propósito):

http://www.globalnoticias.pt/gnpdf.pdf

(A manchete: Casas mais caras a partir de 2009)

A culpa, aparentemente, é da "aplicação da nova lei sobre eficiência energética e qualidade do ar nos prédios para habitação e serviços [, que] vai implicar o aumento do preço das casas a partir do próximo ano, para além de criar mais um entrave burocrático".

Uma mera coincidência, ou... um paliativo?

Anónimo disse...

Alguns bancos estão também a aprender a lição, às suas custas:

Jan. 30 (Bloomberg) -- Merrill Lynch & Co., the world's largest brokerage, will no longer underwrite collateralized debt obligations or other structured credit products, new Chief Executive Officer John Thain said.

Merrill posted its largest-ever loss last year after writing down the value of its CDO holdings and other assets related to subprime mortgages by $24.5 billion. The New York- based bank was the biggest underwriter of CDOs from 2004 through 2006, and got stuck with some of the products as investor demand declined.

The market for CDOs, which repackage assets into new securities with varying degrees of risk, has been frozen since last July when two Bear Stearns Cos. funds that invested in them collapsed. Merrill Lynch will focus on improving its rankings on stock and bond underwriting league tables instead, Thain said.

"There's no reason we shouldn't be able to capture a bigger slice of the investment-banking fee pie,'' Thain said, speaking in New York at an investor conference. ``We should be top three as opposed to top five."