P: Estamos a atravessar um terceiro choque petrolífero?
R: Estamos. A escalada dos preços do crude colocou a barreira do preço médio durante este primeiro quadrimestre de 2008 já acima dos valores reais do 2º choque petrolífero do início dos anos 1980.
P: Que tipo de medidas podem ser tomadas para contrariar a escalada de preços do petróleo?
R: Em mercado aberto, só há uma saída: contrair a procura destas «commodities», alterando o padrão de consumo. Apesar de a procura estar a descer nos países da OCDE, graças aos ganhos de eficiência realizados já no século XXI, ela tem aumentado no mundo emergente. Dada a consciência de que se está a atingir um tecto de produção (o chamado ‘pico do petróleo’), a oferta deixou de poder satisfazer os apetites do consumo. Medidas de subsidiação aos consumidores (como existem largamente nos países produtores e nos emergentes importadores) serão sempre transitórias e terão efeitos perversos a prazo. O choque da realidade, como acontece hoje na Indonésia, é um aviso.
P: Qual é a produção actual de petróleo?
R: É de 86 milhões de barris de combustíveis líquidos por dia de origem fóssil a que se pode adicionar 1 milhão de barris diários de bio-combustíveis. No total dos 86 milhões, incluem-se 74 milhões de barris de crude por dia, mais 8 milhões de barris de líquidos associados ao gás natural (NGL), 4 milhões em outros líquidos e ganhos nas refinarias.
P: E qual é a procura mundial?
R: Há a noção de haver um défice que se irá alargando. Os especialistas estimam a procura aproximada de um modo indirecto: a oferta mundial de líquidos deveria ser superior a 90 milhões de barris por dia para os preços se manterem abaixo dos 100 dólares, e superior a 95 milhões de barris por dia para não ultrapassarem os 50 dólares. Contudo, a procura real ajusta-se à oferta, por efeito da subida de preços.
P: E qual foi o impacto desse efeito de “correcção” por via da subida de preços?
R: O crescimento do consumo teve mesmo de ser moderado. Ele tendia a crescer de 2,5% a 3% ao ano, mas devido à viragem do preço desde 1999, e particularmente desde 2001, o aumento anual do consumo abrandou para 1,5%. No futuro próximo, terá mesmo de se contrair.
P: Mas quanto poderá crescer a oferta nos próximos anos?
R: A oferta de crude propriamente dito tem estado estagnada desde 2005. Estima-se que possa crescer 3 milhões de barris por dia até 2012. Mas tendo em conta as altas taxas de declínio em regiões como o México e o Mar do Norte duvida-se desse aumento. O segundo maior produtor, e patrão da OPEP, a Arábia Saudita, há vários anos que não divulga estimativas sobre a sua margem de manobra. Em termos globais, a oferta de líquidos poderá aumentar até aos 90 milhões de barris por dia até 2012. A Agência Internacional da Energia (AIE) divulgará em Novembro uma avaliação, que segundo os analistas deverá apontar para os 100 milhões em 2020.
P: E será esse aumento suficiente?
R: Não. Segundo o World Energy Outlook da AIE, a oferta deveria aumentar em 37,5 milhões de barris por dia até 2015 para satisfazer a procura estimada, sem alteração do actual padrão de consumo, particularmente em alguns dos emergentes, como a China e a Índia. Prevê-se que os emergentes impliquem um disparo no parque automóvel que poderá quadruplicar nos próximos vinte anos. O défice, em 2015, poderá ser superior a 20 milhões de barris por dia, mesmo no cenário mais optimista.
P: Mas os anúncios de recentes descobertas não são um sinal optimista?
R: Mesmo no cenário mais optimista, o caso recentemente mais publicitado, o da Bacia de Campos, no Brasil, poderá adicionar 500 mil barris por dia.
P: E o Árctico, de que houve agora uma primeira cimeira, não poderá ser a nossa “salvação”?
R: Há uma confusão difundida pelos «media». O número de 400 mil milhões (biliões, na designação anglo-saxónica e no Brasil) de barris é o total estimado de hidrocarbonetos no local. Os valores das reservas tecnicamente recuperáveis são de 50 mil milhões de petróleo (de acesso complexo, cobertos de gelo quase todo o ano) mais 150 mil milhões de gás natural (com a agravante deste gás estar muito disperso por reservatórios de pequena dimensão e de difícil acesso, o que impossibilitaria o seu transporte em gasoduto). Mesmo que esses 50 mil milhões de barris de petróleo fossem extraídos, eles significam um ano e meio de consumo actual. O impacto não é significativo em termos de ‘pico’ do petróleo.
P: Então que efeito poderá ter a pressão política – e mesmo ameaças de sanções através da Organização Mundial de Comércio – junto da OPEP?
R: Nenhum. A OPEP perdeu, realmente, o controlo do limite superior de preços – o célebre tecto máximo do preço do barril – desde 2004. No Verão de 2004, a OPEP atingiu o seu máximo. Exceptuando o Irão, o Iraque e a Venezuela, todos os outros membros do cartel estão a produzir acima da sua quota. O único grande produtor que ainda poderá ter um impacto visível é o Iraque, cuja produção, teoricamente, poderia duplicar. Mas é o problema político que se conhece. Aliás, foi referido que nas três últimas semanas de Abril e na primeira de Maio, a OPEP teria deixado de injectar no mercado 1 milhão de barris por dia.
P:Mas a Arábia Saudita não poderá alterar a situação?
R: É incerto. Poderá provavelmente produzir mais crude de uma variedade que o parque actual mundial de refinarias tem dificuldade de tratar. Poderá aumentar transitoriamente a produção de crude de qualidade mas à custa da produtividade final dos seus campos.
P:E a Rússia que é o maior produtor de crude desde 2006, ligeiramente acima da Arábia Saudita, não poderá dar uma ajuda?
R: Em 2020, a Rússia terá pouco petróleo para exportar. Sendo este um choque adicional que afectará a Europa.
P: É verdade, então, que a subida mais recente de preços, com a ultrapassagem da barreira psicológica dos 100 dólares, é derivada da especulação financeira, e que se deveriam “regular” esses malditos investidores?
R: Não é o factor fundamental, como querem fazer crer a OPEP e alguns políticos, e mesmo George Soros. O peso das aplicações financeiras nesta «commodity» deverá estar a implicar um prémio de 15 dólares por cada barril ao preço actual. Todo o petróleo que aparece para ser transaccionado no mercado acaba actualmente nas refinarias e não é acumulado em inventário a benefício de especuladores.
P:Poderá a opção pela intensificação do uso do carvão – num regresso à energia da Revolução Industrial – como parece acreditar a Shell, nos seus mais recentes cenários, resolver, transitoriamente, o problema?
R: O carvão está a ser usado como energia barata (altamente subsidiada) particularmente na China para embaratecer os custos das suas indústrias em expansão, em particular do aço. Segundo alguns, essa energia barata é o ‘segredo’ dos custos muito baixos chineses, mais do que os próprios salários nominalmente muito baixos. Mas não é solução de modo algum. Segundo o Energy Watch Group, a produção de carvão atingirá o seu pico em 2025. Entretanto, o preço da tonelada de carvão duplicou nos últimos oito meses(um disparo superior ao do barril de petróleo) e a Merrill Lynch estima que possa chegar aos 300 dólares por tonelada, o triplo do preço actual.
P: Há uma relação directa entre a alta do petróleo e a desvalorização do dólar?
R: Há, em parte. Mas essa relação deriva mais da política monetária seguida pela Reserva Federal americana de inundar o mercado de dólares e de emprestar dinheiro abaixo da taxa de inflação durante certos períodos na última década, incluindo ultimamente. Durante alguns curtos períodos de meses, a divergência cambial permitiu alguma almofada a países com divisas mais fortes do que o dólar, como o euro. Contudo, mesmo em euros, o preço do barril disparou . O choque está a chegar a todos em força.
P: Isso significa que o preço do barril poderá baixar se a política monetária americana for invertida?
R: Pode. As oscilações em baixa poderão ocorrer durante algum tempo. Essa mudança para taxas de juro mais altas na América está a ser reclamada por muitos analistas, incluindo por especialistas do FMI. Contudo, o efeito será transitório em termos de preço do petróleo. O mesmo já não será de esperar em termos de agravamento de alguns factores recessivos. A América atravessa um verdadeiro dilema. Qualquer mexida num sentido ou noutro terá uma face da moeda negativa.
P: Qual é o perfil do consumo mundial de energia?
R: Segundo a AIE, o petróleo representa 36% da energia consumida, seguido do carvão com 25%, o gás natural com 21%, o nuclear com 6%, a biomassa com 4% e a hidroeléctrica com 3%. O resto está ainda abaixo de 1%.
P:E em Portugal?
R: Segundo a Direcção Geral de Energia e Geologia, o petróleo representa 55% do consumo de energia primária (uma dependência maior do que a “média” mundial), o gás natural 14%, o carvão 13% (melhor do que a média mundial), a electricidade 7% e o resto 12% (inclui biogás, biodiesel, resíduos vegetais e resíduos sólidos urbanos).
P: Que sectores económicos consomem mais energia em Portugal?
R: Segundo dados da AIE, os transportes vêm em primeiro lugar com cerca de 34%, a que se segue a indústria transformadora com 26,5%, o sector residencial com 15% e os serviços com 12%. Especificamente, em relação ao petróleo, o sector dos transportes é o mais dependente (consome 60% do total) e será o que mais sofrerá com o choque petrolífero.
P: O que poderemos, então, fazer?
R: Apostar mais na eficiência energética, por muitos analistas considerada o “nono passageiro” (tendo em conta que os outros oito são: petróleo, gás, carvão, nuclear, biomassa, solar, eólica e outras renováveis) desta corrida contra o tempo.
Observação: Questionário e respostas com o apoio de Luis de Sousa e Pedro de Almeida, da ASPO Portugal.
(Retirado daqui.)
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